Sou assim, viciada em vícios. Um
gosto bizarro e incontrolável por maus hábitos. Às vezes gosto de enlouquecer,
seja sóbria ou bêbada. Pareço uma chaleira a ferver o tempo todo, muitas vezes com
necessidade de apitar para o mundo, na tentativa que este baixe o seu fogo por
algum tempo. Mas, por mais que tente, volto sempre a ficar quente. Quente
demais... Não consigo evitar, é a maneira que mais amo de viver a minha vida.
Porém, não consigo deixar de olhar para as vidas chatas das pessoas medíocres,
certinhas, que tentam a todo o instante manter a postura para serem aceites.
No meu bairro, no autocarro, nas ruas, na televisão, até mesmo nas saídas à
noite, onde vão sei lá porque, sentam-se a um canto na hora que chegam e só se
levantam na hora de irem embora.
No meu mapa de existência mundial
elas estão marcadas com a cor cinza e representam as áreas idiotas e nada
divertidas. E isso não tem nada a ver com ser-se louco ou não. Tenho amigos que
nem cervejas bebem e que são bem piores que qualquer alcoólatra que conheço.
Tem a ver com o jeito com que encaramos a vida. Por vezes fico a pensar que essas
pessoas “chatas” só devem ter relações sexuais de luz apagada, simplesmente para
não se olharem umas nos olhos das outras. Ou então com o intuito de poupar na electricidade, com vista a arrecadar os poucos cêntimos que têm para mais tarde
gastarem. Muitas delas chegam aos 80 anos de idade sem usufruíram desse pé-de-meia,
infelizmente. A maioria destas pessoas têm filhos, “parasitas da sociedade”,
como lhes chama a minha mãe. São aqueles filhinhos que moram na casa dos papás
a vida toda e que aos 40 anos gritam do quarto para mãe que está na cozinha: “ó
mãe frita-me um ovo por favor?”... Em consequência disto, e para piorar a
situação, conhecem alguma decadente mórfica num bingo de igreja, casam e
levam-na também para casa dos pais. E a pobre mãe, já viciada em remédios e
limpezas, fica-se perguntado a onde é que errou na vida para ter gerado um
hipopótamo míope e sem pernas e não uma pessoa que pelo menos vai até a padaria
sozinha. E se nós perguntamos porquê que não vão viver as suas próprias vidas,
eles respondem que não são burros, e que podem simplesmente ficar ali, à espera
que os velhos morram para ficarem com a casa. O mundo está cheio disto,
atentados.
Bom, mas eles que se lixem. O fato é
que eu seria uma suicida em potencial se concordasse e me visse presa nas áreas
cinzentas do planeta. É verdade que eu não sou tudo o que queria ser, mas pelo
menos não sou o que não queria. Já está razoavelmente melhor, do meu ponto de
vista. Mas sempre que sinto a chaleira a ferver dou uns gritos, arranco a
roupa, parto alguma coisa, faço alguma maluquice. E o vapor de novo volta para
dentro. Por um tempo, é claro. Bom, já disse que sou uma criatura estranha. No
mínimo isso. Mas prefiro assim. De qualquer das maneiras, vá eu para onde for,
convido sempre os meus amigos. Mas a escolha é deles, óbvio. Geralmente a minha
fama chega antes de mim e todos já sabem o que significa conviver comigo. Na
verdade ninguém aguenta muito tempo este meu temperamento. Mas já estou
habituada. Alguns voltam sempre. Alguns voltam, ficam uns cinco minutos,
lembram-se e estampam-me na cara uma vontade absurda de sair a correr. Mas tem
sempre um ou outro. Existem também os meninos. E eu tenho o meu menino, que
acorda sempre ao meu lado, que aprendeu a sobreviver à minha loucura e que deve
ser um pouco mais maluco que eu para estar comigo há tanto tempo. E por volta das
três da manhã eu acordo, acendo a churrasqueira no quintal, abro uma cerveja e
fico sentada a escrever qualquer coisa esperando que amanheça. Ele levanta-se,
senta-se durante alguns segundos ao meu lado, dá um gole na minha cerveja, dá-me
um beijo no rosto, diz que me ama e volta a dormir. É, afinal eu não devo ser
tão maluca assim...
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